Artigos

Queremos de volta as cores de nossa bandeira

Daniel Caixeta Andrade, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, Professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia e Pesquisador do CNPq.

Junior Ruiz Garcia, diretor da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná e pesquisador do CNPq.

“Nossa bandeira é verde, amarela, azul e branca. E jamais será vermelha!” Esta afirmação foi repetida incontáveis vezes durante as eleições. O contexto para tanto era o medo – genuinamente ingênuo para alguns, ou propagado por outros de maneira solerte – de uma possível ameaça socialista/comunista. A Venezuela, envolta em uma séria crise humanitária, foi eleita como símbolo do que poderíamos nos transformar. Um emblema triste do desconhecimento histórico das relações entre os dois países e das verdadeiras causas das agruras do vizinho. Este tipo de argumentação, replicada à enésima potência, representa o que há de mais antediluviano na sociedade brasileira. Enquanto o mundo discute seriamente problemas como o das mudanças climáticas, das crescentes desigualdades e do ingresso e consolidação na indústria 4.0, presenciamos uma campanha com discussões precárias e que passaram ao largo de temas estratégicos para a sociedade.”

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Amazonia and the Setbacks of Brazil’s Political Moment

Commentary by Philip Fearnside

ISEE member, Philip Fearnside, provides commentary on 12 October 2018 on Amazonia and the setbacks of Brazil’s political moment.

Brazil’s presidential election has created virulent polarization in the country with consequences for the Amazon. Right-wing candidate Jair Bolsonaro won the first round of the election on October 8 with 46 percent of the valid votes, and polls show him ahead by a wide margin for the second round to be held on October 28.

The current political moment is replete with threats of setbacks. Some are administrative, such as Bolsonaro’s promises to abolish the Ministry of the Environment, expel international NGOs such as Greenpeace and WWF and take awayany government funding that benefits “activists.” There are also threats of major budget cuts for science and technology.

Read the complete commentary at Mongabay.

Fonte: ISEE.

Willian Nordhaus e o Modelo DICE

Ihering Guedes Alcoforado

Diretor Regional da ECOECO Nordeste

Nesta nota trato da tensão entre o programa de pesquisa de William D. Nordhaus, o Nobel de 2018, e a Economia Ecológica, por meio da problematização de algumas das premissas básicas adotadas no seu modelo DICE (Dynamic Integrated Model of Climate and Economy), a matriz que deu origem aos frameworks tais como Integrated Assessment Models (IAMs). As premissas foram selecionadas tendo em conta que podem ser utilizadas como critério para classificar uma obra ou um modelo, como uma expressão da economia ecológica.

A primeira premissa problemática é que o modelo DICE de W. Nordhaus assume que o crescimento econômico não é limitado pelos recursos econômicos ou por mudanças ambientais e, como não bastasse, o produto econômico no modelo DICE é estimado utilizando somente capital, trabalho e tecnologia reproduzíveis, onde o crescimento populacional e a mudança tecnológica são exógenas e o capital natural é totalmente desconsiderado. Em resumo, o modelo DICE se assenta em premissas fortes, que não são de forma nenhuma aceitável por um economista ecológico.

E mesmo que o DICE tenha a intenção em integrar os modelos econômicos com o resto do mundo natural, o que é compatível com a Economia Ecológica, é necessário chamar atenção que não existe no modelo um feedback da economia com o mundo natural. O fluxo é de mão única, ou seja, avalia o impacto da economia sobre o clima, considerando que a mediação pode ser feita tanto pelos ecossistemas naturais como pelos sistemas agrícolas.

A possível atração do modelo DICE para os economistas ecológicos é sua incorporação da mudança climática, o que, no entanto, é feito por meio por meio de uma representação bastante simplificada de um modelo de circulação atmosférica expresso em um conjunto de equações emissões-clima-dano, as quais têm como premissa uma relação linear muito simples entre a temperatura média global e a perda do produto global. Além disso, o modelo desconsidera, de um lado, os feedback correntes entre a mudança climática (incluindo os mais importantes aspectos de mudança na precipitação e especialmente a distribuição geográficas das mudanças) e mudanças ecossistêmicas; de outro lado, não contempla as mudanças nos ecossistemas e suas implicações na performance econômica. Tais links são complexos e não podem ser expressos por meio de relações lineares, por isso foram desconsiderados, a despeito deles alojarem-se a essência do problema em tela.

A adoção de tais premissas heroicas criam as condições para a operacionalização do modelo em tela, ou melhor, para que possam ser testados empiricamente, o que vem sendo feito com a disponibilização de “pacotes”, a partir do que se constitui em uma imposição metodológica que põe os economistas ecológicos em uma encruzilhada para definir os próximos passos na direção da configuração da economia ecológica. De um lado, avançar na modelagem computacional nas suas diversas variantes viabilizadas por meio de premissas fortes, que ancora ontologicamente o modelo na sua apreensão da realidade ambiental como ergódica, na linha apontada por Samuelson e seguida Nordhaus que, não por mera coincidência é parceiro de Samuelson na importante tarefa de inculcar no coração e mente dos jovens economista uma teoria econômica que tem como premissa a apreensão da realidade como ergódica. Ou, “chutar o pau da barraca”, e admitir que a realidade ambiental é não ergódica”, avançando na senda aberta por Douglass North e encarar o problema ambiental em tela, nos rastro de Hittel e Webber (1973) no que se refere a representação do problema enquanto um wicked problem e, no rastro de Funtowicz e Ravetz (1991) no que se reporta a natureza do conhecimento cientifico mobilizado enquanto uma ciência pós-normal.

Enfim, a despeito de todos os problemas do programa de Nordhaus, do ponto de vista da Economia Ecológica, pode-se concluir que é um avanço considerando a primeira geração de tais modelos com suas macro-simulações sem evidências empíricas e fundamentos teóricos, por meio que estabeleceram narrativas que conquistaram corações e mentes, movimento este representado de forma emblemática nos livros de Jay W. Forrester, World Dynamics, e o de Donella H. Meadows et al., The Limits to Growth, este último objeto de ácida critica de Nordhaus (1971), a qual pode ser tomada como ponto de partida do seu programa.

Referências

COSTANZA, R. 1996. “Managing the Global Commons: Review” In: Environment and Development Economics, 1996, V..1, N.3, pp. 381–384 https://doi.org/10.1017/S1355770X00000735

FORRESTER, Jay W., World Dynamics, Cambridge, Mass., Wright-Allen Press, Inc., 1971.

FUNTOWICZ, S. O. & RAVETZ, Jerome R., (1991)A New Scientific Methodology for Global Environmental Issues In Robert Costanza (ed.), Ecological  Economics: The Science and Management of Sustainability. Columbia University Press. pp. 137–152

MEADOWS, Donella H. et al., The Limits to Growth, New York, Universe Books, 1972.

RITTEL, Horst W. J. & WEBBER, Melvin M., Dilemmas in a General Theory of Planning. Policy Sciences, Vol. 4, №2 (Jun., 1973), pp. 155–169.

NORTH, Douglass, (1998) Dealing With a Non-Ergodic World: Institutional Economics, Property Rights, and the Global Environment. IN Duke Environmental Law & Policy Forum, Dealing With a Non-Ergodic World: INstitutional Economics, Property Rights, and the Globl Environment IN Duke Environmental Law & Law and Policy Fourum ,1998, v. 10, n. 1

NORDHAUS, William D., (1994) Managing the commons: The economics of climate change. The MIT

NORDHAUS, W. D. 1973. World dynamics: measurement without data. The Economic Journal. 83:1156–1183

SAMUELSON, P. A.(1969) “Classical and Neoclassical Theory” in Monetary Theory, edited by R.W. Clower. London: Penguin Books.

O Prêmio Nobel de Economia de 2018

Clóvis Cavalcanti

Presidente da ISEE

O Prêmio Nobel de Economia foi criado em 1969 e concedido este ano pela 50ª vez. Seus ganhadores de agora são o professor da Universidade de Yale (onde estudei) William Nordhaus e o professor Paul Romer, da New York University, até recentemente economista-chefe do Banco Mundial.

O que esses dois premiados têm em comum é que suas pesquisas examinam efeitos colaterais não intencionais da atividade econômica e como eles afetam o crescimento no longo prazo. Nordhaus considera que as repercussões como consequências negativas das mudanças climáticas, mudanças essas realçadas há pouco, uma vez mais, pelos cientistas no novo relatório do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança Climática (IPCC). Nordhaus é um economista ambiental ligado à economia do clima. Ele já esteve em reuniões da ISEE, mas não faz parte da Sociedade.  Ele desenvolveu um modelo integrado para analisar a atividade econômica e suas conseqüências ambientais e para avaliar as respostas a elas, como impostos sobre o carbono. Antes dele, Partha Dasgupta e Geoffrey Heal elaboraram um modelo que permitiu a Nordhaus chegar ao seu. Talvez os dois devessem ter sido contemplados também com o Nobel.

Paul Romer, por sua vez, se concentra nos efeitos colaterais positivos da mudança tecnológica. Seu argumento é de que os inovadores muitas vezes não obtêm todos os benefícios do que fazem, de modo que as economias de mercado deixadas à própria sorte tendem a não gerar novas idéias suficientemente. Abordar esse déficit, sugere ele, requer uma ação governamental bem planejada para estimular mais inovação, como subsídios para pesquisa e desenvolvimento.

Comentando sobre o prêmio diante de jornalistas, Romer confessou: “Eu acho que muitas pessoas pensam que proteger o meio ambiente seja tão caro e tão difícil que preferem ignorar isso.” No entanto, “podemos absolutamente fazer progressos substanciais para proteger o meio ambiente e fazê-lo sem abrir mão da chance de sustentar o crescimento”. Na verdade, para a Economia Ecológica, crescimento da economia perene é algo insustentável. O que se pode sustentar, sim, é desenvolvimento. Na natureza, todo crescimento contínuo termina em desastre: este é o princípio da célula  cancerosa.

Dominado por americanos, o Nobel de Economia foi concedido a quase 80 laureados, dos quais uma única mulher, Elinor Ostrom (1933-2012), em 2009. Mulher que escreveu sobre a gestão dos bens comuns, os chamados “commons”. Ostrom estava na primeira conferência bienal da ISEE em Washington, em 1990. Do mesmo modo que o ecólogo Garrett Hardin (1915-2003), que pensava o oposto dela e que é o pai da conhecida tese da “tragédia dos comuns”.

População, mudanças climáticas e o IPCC

Publicado no Portal EcoDebate.

Por José Eustáquio Diniz

“O Sistema Terra pode estar se aproximando de um limiar planetário que poderá  tornar inevitável o caminho rápido e contínuo em direção a condições muito mais quentes – Terra Estufa” Will Steffen et. al., 2018.

O crescimento exponencial da população e da economia fez com que a humanidade ultrapassasse a capacidade de carga da Terra, provocando uma degradação generalizada dos ecossistemas e a redução da biodiversidade do Planeta. Como alertou importante estudo liderado por Will Steffen et. al. (2018):  “Nossa análise sugere que o Sistema Terra pode estar se aproximando de um limiar planetário que poderá  tornar inevitável o caminho rápido e contínuo em direção a condições muito mais quentes – Terra Estufa”

Indubitavelmente, o mundo caminha para um colapso ambiental que pode se tornar também um colapso civilizacional. Porém, existe um tabu que é pouco discutido e que acelera este processo: o volume e o crescimento da população mundial. Tratar esta questão é uma tarefa urgente e deveria estar na pauta da 48ª Sessão do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que acontece em Incheon, na Coréia do Sul, nesta semana de 01 a 05 de outubro de 2018.

O respeitado demógrafo John Bongaarts e o reconhecido cientista do clima, Brian C. O’Neill, se uniram para demonstrar por que os ativistas do clima e os formuladores de políticas deveriam incorporar a dinâmica demográfica às análises climáticas. Em um ensaio publicado na influente Revista Science Magazine eles defendem a ideia de que a redução do ritmo de crescimento populacional é essencial para a mitigação do aquecimento global.

Os autores começam o artigo perguntando: “Será que a desaceleração do crescimento da população humana diminuirá os impactos futuros das mudanças climáticas antropogênicas?”. Ao invés dos 11,2 bilhões de habitantes projetados para o final do século, pela Divisão de População da ONU, o mundo pode evitar o acréscimo de 3,6 bilhões de pessoas, reduzindo o potencial de emissão de quantidade de gases de efeito estufa.

No entanto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) tende a ignorar ou subestimar os efeitos do crescimento populacional sobre o aquecimento global. Bongaarts e O’Neill abordam quatro percepções equivocadas que acreditam confundir o IPCC sobre a questão demográfica:

PERCEPÇÃO EQUIVOCADA 1: O crescimento populacional não é um problema ambiental

Os autores atribuem esse equívoco a vários fatores, tais como 1) a crença de que a taxa de fecundidade cairia rapidamente em todos os continentes, inclusive na África Subsaariana; 2) a crença de que a defesa da saúde e dos direitos reprodutivos proposta pela Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), de 1994, seria suficiente para a universalização da saúde reprodutiva e se atingir a fecundidade abaixo do nível de reposição; 3) a crença de que o espectro da fome já está superado e que a Terra tem capacidade de produzir todo o alimento que a humanidade necessita.

PERCEPÇÃO EQUIVOCADA 2: Políticas populacionais não são eficazes

Existem 85 milhões de gravidezes não desejadas e 32 milhões de nascimentos não planejados a cada ano no mundo e  Bongaarts e O’Neill apontam o óbvio: evitar gravidezes não planeadas reduziria o ritmo de crescimento da população imediatamente. Os países que implementaram o direito à saúde reprodutiva, como  Etiópia, Malawi e Ruanda tiveram declínios acentuados na fecundidade. Os autores consideram que os programas de planejamento familiar são investimentos excepcionalmente de baixo custo para os governos e geram resultados muito positivos para o aumento do bem-estar das populações. As políticas populacionais democráticas funcionam e são efetivas.

PERCEPÇÃO EQUIVOCADA 3:  População não importa muito para clima

Bongaarts e O’Neill reconhecem que as emissões passadas e atuais são atribuíveis principalmente ao crescimento econômico (alimentado por combustíveis fósseis) nos países desenvolvidos. Eles também nos lembram da verdade incontestável que, até agora, os países de alta renda são quase totalmente responsáveis ​​pelas emissões de carbono. No entanto, novas pesquisas e modelagem sofisticada demonstram que o que crescimento da população vai desempenhar um papel cada vez mais importante no futuro. A industrialização e o rápido crescimento populacional em curso nos países em desenvolvimento significa aumento das emissões, sendo que os países em desenvolvimento apresentam as maiores taxas de liberação de carbono e metano. Os autores argumentam que o menor crescimento populacional poderia reduzir as emissões globais em 40% ou mais no longo prazo. Desta forma, claramente, a população importa para o clima.

PERCEPÇÃO EQUIVOCADA 4:  A política populacional é muito controversa para ter sucesso.

Bongaarts e O’Neill defendem uma política sensível e holística sobre a população humana e suas sub questões relacionadas e advogam por intervenções que aumentem os direitos humanos, como o planejamento familiar voluntário e a melhoria da educação. Isto não deveria ser controverso, mas, infelizmente, sabemos que é. Existe a oposição tradicional de grupos religiosos e sociais conservadores. Mas também existe a oposição de alguns liberais e defensores dos direitos humanos que temem que admitir publicamente que a população importa para o clima poderia automaticamente à coerção e abusos dos direitos humanos. Evidentemente, qualquer tipo de autoritarismo e abuso tem que ser evitado.  Além disto, muitas pessoas da comunidade de estudo das mudanças climáticas acreditam que tratar da política de população pode levar à culpabilidade dos países pobres por problemas criados pelos países ricos. Embora essa crença seja real, isso não muda o fato de que o crescimento populacional nos países em desenvolvimento apresenta desafios para o clima e o desenvolvimento e priva a comunidade internacional de uma importante alavanca política para melhorar o bem-estar humano.

CONCLUSÃO

Para Bongaarts e O’Neill, o IPCC deveria incluir recomendações de políticas relacionadas à população para mitigação e/ou adaptação das mudanças climáticas em suas futuras publicações – incluindo contabilidade de custos e benefícios, barreiras à implementação e sinergia com os objetivos e a metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Eles também sugerem a inclusão de mais cientistas sociais com experiência em saúde reprodutiva e política populacional a serem incluídos no IPCC. Finalmente, os autores pedem à comunidade ambiental e às instituições internacionais de desenvolvimento que adotem análises cientificamente sólidas da política populacional e dos programas de saúde reprodutiva baseados em direitos humanos.

Referências

Will Steffen. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene, Harvard University, Cambridge, MA, July 6, 2018.

John Bongaarts, Brian C. O’Neill. Global warming policy: Is population left out in the cold?, Science  17, Vol. 361, Issue 6403, pp. 650-652, Aug 2018.

Ortodoxia da Economia Ecológica (EE) nas especificidades do paradigma butanês

Por Clóvis Cavalcanti

Presidente da ISEE

Uma ideia que, compreensivelmente, tem recebido mais atenção nas discussões da EE consiste em mostrar que a realidade de “mundo cheio” de 2013, por exemplo (um planeta de 7,2 bilhões de pessoas e PIB global de 72 trilhões de dólares) contrasta intensamente com a de “mundo vazio” de, por exemplo, 1900, quando havia 1,5 bilhão de habitantes e PIB de 1,5 ou 2 trilhões de dólares no planeta. O contraste vigoroso seria razão suficiente para justificar a relevância da visão de mundo proposta pela EE, a qual considera limites inflexíveis da natureza, recusando-se, em contrapartida, a da economia standard, que os ignora completamente.

Faria muito mais sentido, na verdade, raciocinar agora com a “economia da espaçonave” do que com a economia do “cowboy”, da sugestiva dicotomia criada por Kenneth Boulding (1910-1993). Está em jogo aí a questão relativa à escala do sistema econômico que cabe no ecossistema que o contém – algo como saber quantas pessoas podem voar seguras num avião A-320. A escala do cowboy, com certeza, não prevalece; mas, sim, a do astronauta.

Com esse pano de fundo, Robert Costanza e outros escreveram relatório preciso para a ONU na antecipação da Rio+20, depois adaptado para o informe State of the World 2013, do Worldwatch Institute, daquele ano. No estudo, explicam como fica a realidade no quadro do que chamam de “economia-na-sociedade-na-natureza”. Trabalho de Joshua Farley apresentado na ISEE 2012, no Rio (Human Behavior, Economic Institutions and the Challenges of a Full World), insere-se no mesmo marco.

Contudo, não é isso o que está nas origens da EE. Georgecu-Roegen (G-R) simplesmente explicava que a economia é regida, como tudo o mais no meio físico, sem exceção, pelas Leis da Termodinâmica – ponto. O modelo do Butão tem apoio no mesmo raciocínio, mas age pelo padrão do “mundo cheio”, apesar de que se ajuste bem mais à condição de “mundo vazio” (nele vivem só 19 hab/km2; não há um único semáforo no país). A evidência é clara no discurso do Primeiro-Ministro Jigmi Thinley na ISEE 2012 (Rio):

Eu uso regularmente os resultados da Pegada [Ecológica] nos meus próprios pronunciamentos e, na verdade, apoio-me nessa informação para entender e comunicar o impacto devastador dos atuais padrões de consumo sobre os limitados recursos do mundo, e para solicitar políticas mais sustentáveis [Ela nos proporciona] ter noção do valor de cada recurso que consumimos e de cada nuança de nossos comportamentos e estilos de vida.

Essa consciência de limites se estende, na ocasião, a todo o discurso de Thinley. Nele, o governante butanês reforça a necessidade de se desmantelar o consumo excessivo; de se banir a publicidade dirigida a crianças; de se eliminarem subsídios que levam a uso maior de combustíveis fósseis. Pede que se elimine qualquer ajuda via deduções de impostos à promoção de negócios. Advoga a reforma tributária que penaliza a poluição, coíbe as emissões de carbono e a depleção de recursos e do capital natural. Tudo exatamente como Daly sempre propôs e Costanza e outros expunham então. Ou seja, a ortodoxia primordial da EE, que independe de mundo vazio ou mundo cheio.

O modelo butanês, assim, tem tudo a ver com o modelo de G-R. Ademais, não se trata, como insinuou Eric Zencey, de contemplar o potencial de uma união entre a FNB (felicidade nacional bruta) butanesa e a Economia Ecológica. A EE esteve desde sempre no âmago do Novo Paradigma de Desenvolvimento (NPD) do Butão. Faz parte intrínseca dele. A parceria, consciente ou não, com o NPD sempre existiu. Não obstante, o Reino do Butão, seguindo as tradições do budismo que lhe dão forma, de modo natural oferece um paradigma de desenvolvimento que não faz esforço algum para representar adesão a uma versão ocidentalizada da crítica ecológica da economia que a EE significa. Ele tem, de fato, suas especificidades – que não são banais.

Fragmentos de Mata Atlântica do Nordeste: Biodiversidade, Conservação e suas Bromélias

Por Clóvis Cavalcanti

Presidente da ISEE

Esse é um livro basicamente de botânicos. Seus organizadores, Elton Leme e José Alves Siqueira, são ilustres conhecedores de plantas, mas especialmente de bromélias. Curiosamente, Leme não é biólogo de formação, como Alves Siqueira, mas advogado, professor da Faculdade de Direito da FGV no Rio de Janeiro e desembargador no fórum fluminense. Mesmo assim, é reputado como o maior conhecedor de bromélias do Brasil. Durante 10 anos, ele e seu colega da organização do volume, pesquisaram restos (fragmentos) ainda encontrados de Mata Atlântica no Nordeste. Para a finalização do livro, pediram-me que, no âmbito da economia ecológica, eu escrevesse o primeiro capítulo da obra. Debrucei-me sobre o assunto. Fiz um levantamento bibliográfico da historiografia desde o Descobrimento e terminei contribuindo com o trabalho que intitulei “Opulência Vegetal, Cobiça Insaciável e a Entronização da Entropia: Uma Visão da História Socioambiental da Mata Atlântica”, pp. 12-45 do volumoso livro. Que é também uma obra de arte pelo capricho de seu design, admirável trabalho da editora, Andrea Jakobsson Estúdio, do Rio.

Vale a pensa salientar que Elton Leme e José Alves Siqueira nem deveriam ser chamados de organizadores da obra. Com efeito, dos oito capítulos que a constituem, os dois aparecem como autores exclusivos de três e como coautores de outros três. Enfim, só estão ausentes do meu capítulo – que é de história socioambiental – e do que tem como responsáveis os botânicos Marcelo Tabarelli, Antônio V. Aguiar, Alexandre S. Grillo e André Maurício M. Santos. Afora esses autores, o livro ainda inclui o zoólogo Adelmar F. Coimbra Filho, a botânica Isabel Cristina Machado e o biólogo Juliano Sarmento Cabral. E tem como prefaciador um ilustre ecólogo e botânico britânico, o ex-diretor do Royal Botanic Gardens, Kew, Sir Ghillean Prance, que sublinha a magnificência da Mata Atlântica, considerando-a um hotspot para a conservação da biodiversidade. Neste ponto, ele reforça o que Leme e Alves Siqueira assinalam em termos do que esse bioma representa quanto ao fato de que é “um dos habitats naturais de crucial importância, sobre o qual devem recair todos os nossos esforços de conservação”. Basicamente, é disso que o livro trata na medida em que desvenda segredos, identifica espécies novas (muitas no limiar da extinção), reencontra outras que pareciam extintas, etc. Move-lhe o propósito de palavras de ordem como “conservar, conhecer, restaurar, ampliar e interligar”.

Meu capítulo na obra de Leme e Alves Siqueira, que escrevi tocado pelo belo livro de Gilbeto Freyre Nordeste, de 1937, tenta espelhar isso, o que procurei exprimir a começar do título que lhe dei. Título que parte de uma constatação do historiador pernambucano Leonardo Dantas Silva, que me ofereceu a oportunidade de pensar na “opulência vegetal” que os portugueses encontraram na Mata Atlântica nordestina. Dantas trata do tema em alguns de seus escritos. Falando de como os europeus chegaram ao país, por sua vez, Paulo Prado, em Retrato do Brasil (de 1931), realça o que ele classificava de “ambição do ouro”: uma “ganância insaciável”. Coroando o processo, a partir da ambição do lucro sem trabalho, como sublinha Sérgio Buarque de Holanda, chegamos à constatação dolorosa e verdadeira do historiador natural Warren Dean: “as hostes ignorantes derrotaram totalmente o  poder da evolução, entronizando em seu lugar a entropia”. Tudo a ver com a Economia Ecológica.

José Alves Siqueira Filho & Elton M. C. Leme (orgs.), Fragmentos de Mata Atlântica do Nordeste – Biodiversidade, Conservação e suas Bromélias. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2006.

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